Como prometido, aqui está o segundo texto dessa série que se dedica a ajudar os estudantes de graduação e pós-graduação que pretendem ter uma carreira acadêmica, e obviamente, querem ter sucesso nesse caminho.
Para quem perdeu o primeiro texto, que discute com que devemos começar assim que ingressamos na universidade, aqui está o link:
No texto de hoje, vamos falar um pouco de uma figura fundamental, o ORIENTADOR.
Essa figura central da vida acadêmica de todos nós, terá – veja que escrevo de forma determinística – pois de fato tem! - um papel fundamental no sucesso ou fracasso de uma carreira acadêmica.
Um orientador deve ser aquela pessoa que norteia, encaminha, corrige e faz a crítica de forma construtiva. Que escuta, ampara nos momentos difíceis, combate os desânimos e ameniza os anseios. Como o nome indica, um orientador, deve orientar em todos os sentidos. Sim, em todos os sentidos!
Não há vida acadêmica, sem vida pessoal. A academia é um dos ambientes mais passionais que conheço! Nela, absolutamente tudo toma um caminho pessoal. Não deveria ser assim, deveria haver um limite claro e que as pessoas reconhecessem entre o pessoal e o profissional. Não se deveria ficar ofendido, ou se sentir preterido por escolhas ou decisões acadêmicas, as confundindo com preferências pessoais, questões de amizade ou inimizade. Mas a realidade é que isso acontece o tempo todo. Os aspectos cognitivos da mente humana, ligados à fofoca, por exemplo, parecem estar ligados aos mesmos genes que direcionam a pessoa para a vida acadêmica.
E o orientador com isso?
A pessoa que orienta precisa conhecer e reconhecer problemas pessoais de seus estudantes ajudando-os a superá-los, corrigir rumos, evitar vícios, não tem como não se envolver. Quem não se envolve, quem não se importa com questões fundamentais da vida de seus estudantes, quem não busca saber se o estudante está com dificuldades financeiras, se tem boas condições de alimentação e moradia, problemas familiares graves, problemas de saúde seus ou de familiares, quem não conhece a história de vida do seu próprio estudante, não saberá como orientá-lo. Não estou dizendo que o orientador tem que resolver os problemas mais diversos da vida do estudante, ser psicólogo, conselheiro financeiro ou amoroso, nada disso! Digo que tem que conhecer, tem que saber da existência do problema e das limitações dessa pessoa. Nas ciências biológicas temos que conhecer nosso “objeto de estudo”, o animal ou a planta, por exemplo, profundamente. O mesmo acontece na vida do orientador. Se quer orientar direito tem que ao menos tentar conhecer a história natural do seu orientando.
Quem não conhece a história natural de um organismo, seja ele qual for, será incapaz de estudar esse organismo, de compreendê-lo na sua essência, e no caso de um estudante, de orientá-lo. Eu já orientei mais de 70 mestres, 20 doutores e perdi as contas dos graduandos, no total são mais de 150 pessoas. Uma alma diferente da outra, cada uma com suas peculiaridades, uma população incrivelmente polimórfica. Orientar um aluno solteiro, é diferente de orientar um casado. Um casado com filhos é diferente de um sem filhos, e muito diferente de orientar uma mãe solteira e sem apoio da família. Orientar um aluno que veio de uma família muito humilde, que não teve chance de aprender inglês, que tem dificuldades na escrita, leitura e interpretação de texto mesmo em português, é diferente de orientar um aluno que teve todas as oportunidades que a vida pode oferecer, e as aproveitou bem.
A universidade é para todos, e o direito de sonhar também. Um orientador não pode ser um destruidor de sonhos. Todos têm o direito a busca da realização de seu sonho, cabe a mim como orientador, analisar e escolher se sou ou não capaz de contribuir com a pessoa e seus sonhos. Mas nunca os tolher.
Na minha caminhada encontrei diversos tipos de orientadores, vou classificá-los aqui em quatro morfoespécies princiais. Em biologia, quando não temos um nome para um organismo podemos fazer isso, classificar em morfo tipos, ou morfoespécies. Então, vamos lá:
1. Culus consiliario – esse tipo de orientador é infelizmente muito comum, o “orientador bundão”. Desculpem o termo, mas é o mais leve para uma pessoa que promete mundos e fundos para um aluno e não entrega nada, além de vidrinhos de laboratório para serem limpos ou um cargo de auxiliar de faxina. Cuidado jovem graduando! Esse tipinho é mais comum e sedutor do que você imagina. Conheço vários que iludem alunos e até os próprios colegas de instituição, por anos. Ele diz que vai te dar um caminho, que você terá um futuro brilhante, mas que tem que ralar demais, “começar por baixo”, como por exemplo, limpando as vidrarias dos outros orientados mais velhos e dele próprio. Pois é. E você nunca sai disso, nunca recebe um texto para ler, nunca tem seu próprio projeto de pesquisa, a não ser que você seja algum dos eleitos por ele, para obviamente, ele ter alguma justificativa atraente para outros alunos. Não quero dizer que um aluno não tem que ajudar nas tarefas do laboratório, tais como limpeza e organização. É claro que tem, mas ajudar é diferente de se tornar um técnico explorado por um docente de forma inescrupulosa. Se um orientador não discute a teoria com você, se só te ensina a “pilotar centrífuga”, ele não está contribuído para seu crescimento, ele está te enrolando, atrapalhando sua vida. Esse tipo, pode até mesmo ameaçar o aluno. Já vi isso muito, sim! Olha só: “Se você sair do nosso laboratório e deixar a pesquisa não terá futuro aqui. Todos saberão que você não cumpre com suas funções!” – imagina um aluno novinho na universidade ouvindo isso? O aluno pode e deve mudar de laboratório sempre que achar que isso é necessário para encontrar seu caminho acadêmico. O aluno não deve sair de uma pesquisa de forma irresponsável. Deve avisar, deve encontrar um possível substituto, deve explicar a tempo as coisas, deve terminar uma IC (iniciação científica) se ela for com bolsa antes de sair. Mas nenhum aluno é propriedade de um docente. Cuidado!
2. Mollis consiliario – o orientador “molenga” – essa pessoa geralmente não é do mal como o Culus consiliario, só é mole! Te enrola, enrola, promete, nunca cumpre, nunca termina de ler seu texto, nunca tem um projeto de pesquisa próprio e muito menos um para você. Não diz que vai ajudar a resolver sua vida e nem que não vai. Pede mais um tempo, um tempo, um tempo... Preguiça! Demora dias para assinar qualquer requisição que você precisa. Uma semana para ler e responder um e-mail. Não dá né? Tá sempre reclamando que está muito atarefado, mas o currículo é uma verdadeira representação de um buraco negro, não tem nada lá dentro. Esse tipo pode ser simpático, bonachão, madame, é muito variável. Sempre enrolado, adora uma rodinha de conversa. Cuidado!
3. Mater consiliario – esse é um dos tipos mais "perigosos" que existe, o “orientador mãe”. Ele realmente quer o melhor para você e vai fazer de tudo para que isso aconteça. É uma pessoa que pode ser muito boa. Pode ser uma mãezona! Ele define um projeto de pesquisa, ensina você a conduzi-lo, está sempre junto com você no campo ou no laboratório. Liga para saber como você está, faz reuniões, consegue bolsas, ensina e ajuda a definir hipóteses de trabalho, enfim é um amor! E, sabe tudo! Sabe mesmo! É tudo que a gente quer não é mesmo? Daí ele se senta e resolve toda a estatística de seu trabalho, escreve para você seu projeto, daí ele escreve seu trabalho de publicação, daí ele faz tudo para você e você, de fato, não aprende muito. Você se torna um bebezão, um dependente daquela mãe acadêmica. Você pode passar anos ao lado dessa pessoa, sentindo-se feliz, até vendo seu currículo crescer, mas de fato, continua sendo cientificamente incompetente. Quando enfim tiver seu emprego, você corre sério risco de ser um Mollis consiliario. Esse tipo dificilmente se dá conta do mal que está fazendo ao aluno, pois ele quer fazer tudo para o aluno, ele quer ser uma pessoa de máxima importância na vida acadêmica do aluno, e por excesso de zelo acaba pecando. Não o faz por mal. De jeito nenhum. É uma criatura que todo orientado gosta e não consegue se desapegar, aí mora o perigo. Um orientador tem que ajudar você a ser independente e o Mater consiliario não consegue fazer isso. Ele simplesmente não consegue desamarrar as asas do filho que cresceu e ver voar sozinho. Mas esse tipo pode ser muito bom em várias fases da vida acadêmica, especialmente nas iniciais, até o mestrado. Quem não quer uma mãe dessas até entrar no mestrado não é mesmo? Mas fique atento para saber a hora de se libertar desse tipo de orientação, sem deixar mágoas.
4. Libratum consiliario – o “orientador equilibrado” – esse tipo é o Mater consiliario com filtro. Ele tem limites. Ele sabe que não deve ler o trabalho pelo aluno. Que não deve escrever pelo aluno. Assim como o Mater consiliario ele pode ter várias limitações, na estatística por exemplo, ou no inglês (o que é comum), e sabe fazer com que seu orientado corra atrás e aprenda a resolver os problemas sozinho. Ele te deixa escrever os trabalhos, mesmo que depois reescreva mudando tudo. Caberá a você comparar os dois textos e apender a como fazer a partir do exemplo. Muitas vezes você tem uma dúvida e ele simplesmente te indica um texto para ler. Naquele texto tem a solução de seus problemas. Oras bolas, cabe a você buscar a solução de seus problemas acadêmicos. Se alguém te mostrou o rumo, agradeça, isso é te orientar no caminho certo, e não no descaminho. Muitos preferem o Mater consiliario ao Libratum consiliario, pois muitos querem a facilidade. É muito mais difícil ser um orientado do orientador equilibrado, mas você terá muito mais chances de ser um pesquisador independente, de crescer e de voar. Este é um tipo de orientador que apresenta enormes possibilidade de abrir portas para você. Sim, conheço vários nessa linha que chegam a escrever cartas para outros orientadores, em várias partes do mundo buscando novas possibilidades, um futuro melhor para seus alunos e os empurrando nessa nova jornada: “bata as asas, voe!”. Uma coisa em comum nesses dois tipos de orientador, mãe e equilíbrio, é que ambos, se você tiver razão e agido corretamente, sempre irão te defender, pois não são “culus” nem “mollis”.
Espero que você esteja gostando dessas dicas para a vida acadêmica. No próximo texto vamos falar da importância da IC, Iniciação Científica, e como fazer dela uma ponte para o mestrado acadêmico.
Um abração,
Kleber Del Claro
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