Pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia, UFU, publicam importante estudo em revista internacional apontando os desafios iminentes que a COVID-19 traz ao nosso já complicado sistema de saúde.
COVID-19 e Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde: desafios emergentes e futuros para a saúde*
Por Paola Amaral de Campos
Em países de baixa e média renda como o Brasil, onde há falta de medidas eficazes de prevenção e controle de doenças infecciosas, o surgimento e a disseminação da covid-19, causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (Sars-CoV-2) pode ser uma calamidade. Até o momento, é incerto o impacto do desenvolvimento de infecções associadas à assistência à saúde (IRAS) em pacientes com covid-19. A situação fica ainda mais difícil dada a alta taxa de IRAS no país, a falta de terapia antiviral eficaz e a ausência de vacinas contra esse vírus, o que torna os tratamentos atuais para esta doença focados principalmente no suporte respiratório e sintomático e da implementação rigorosa de medidas de saúde pública.
Em relação à covid-19, dois artigos recentes da edição de 17/04/20 da revista Travel Medicine and Infectious Disease abordaram o problema. Alfonso J. Rodriguez-Morales e seu grupo relataram as implicações do primeiro caso de covid-19 na região sul-americana. Em países como o Brasil, a possibilidade de ocorrência de surtos significativos de infecções, que foram declaradas Emergências de Saúde Pública de Interesse Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma realidade. No estudo de Cristian Biscayart e colaboradores, patógenos emergentes e reemergentes são desafios globais para a saúde pública e motivo de preocupação para viajantes de todo o mundo.
Mas, os sistemas de saúde do Brasil estão suficientemente preparados? Provavelmente não. Suas dimensões continentais devem ser levadas em consideração, com diferenças macro e microrregionais em relação aos hospitais existentes e problemas de população assistida e recursos disponíveis. Além disso, outros fatores, como IRAS e a resistência bacteriana nos hospitais que oferecem atendimento terciário (de alta complexidade), são problemas e desafios significativos para o tratamento dos pacientes.
No nosso país e no mundo, as IRAS são o evento adverso mais frequente na prestação de serviços de saúde. Isso é bem exemplificado em um estudo multicêntrico publicado recentemente, envolvendo 28 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de adultos no Brasil relatando uma alta carga de IRAS em hospitais de cuidados intensivos, com prevalência geral de IRAS de 51,2%. Estima-se que, para cada 100 pacientes hospitalizados em um determinado momento, 7 nos países desenvolvidos e 10 nos países em desenvolvimento adquiram pelo menos uma IRAS. As IRAS são um problema endêmico real e contínuo que prolonga as internações hospitalares, aumenta a resistência aos antimicrobianos e causa aumento da morbimortalidade, gerando altos custos para os sistemas de saúde.
Também é importante destacar o papel das IRAS como infecções secundárias, bem como a resistência a antibióticos em pacientes com covid-19. Zhou et al. estudaram pacientes adultos internados em Wuhan, China, diagnosticados com covid-19. Metade dos não sobreviventes (n = 27/54) tiveram pelo menos uma infecção secundária e todos, exceto um, foram tratados com antibióticos. Além disso, pneumonia associada ao ventilador ocorreu em dez (31%) dos 32 pacientes que necessitaram de ventilação mecânica invasiva. Isso é muito preocupante, porque países como o Brasil, que têm maior carga de resistência a antibióticos e taxas mais altas de pneumonia associada ao ventilador hospitalar, podem piorar se as infecções bacterianas secundárias forem uma complicação comum.
Em relação à disseminação de micro-organismos, alguns fatores também são importantes na epidemiologia das infecções nesses países, incluindo: (1) pacientes gravemente enfermos em UTIs, frequentemente expostos a inúmeros dispositivos invasivos e elevado uso de terapia empírica inadequada; (2) a atual mobilidade social, com a facilidade de fazer viagens aéreas internacionais; (3) implementação deficiente de práticas de prevenção e controle de infecções pela falta de recursos humanos, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos e, finalmente, não menos importante; (4) os cuidados de saúde nos países em desenvolvimento são afetados pela extrema pobreza, instabilidade política e doenças que podem ter menor importância nos países industrializados; (5) micro-organismos como covid-19 e clones de alto risco de bactérias multirresistentes com melhor adaptação no ambiente e capacidade de disseminação mais rápida têm uma vantagem seletiva.
Hoje, as perspectivas nos hospitais de todo o país são sombrias, tanto para epidemias virais quanto para as IRAS. Em relação àcovid-19, medidas estão sendo tomadas com protocolos já desenvolvidos durante outras crises, como sars (2003) e influenza pandêmica (2009). No entanto, é fortemente afirmado que em países de baixa e média renda, principalmente a higiene das mãos não é uma realidade, e esta é uma das medidas mais eficientes para conter micro-organismos como os aqui relatados. Em relação às IRAS, teremos que esperar para determinar quais impactos a epidemia de covid-19 deixará para o nosso sistema de saúde.
Vale ressaltar que, embora tenhamos evoluído muito entre questões de saúde pública, o acesso amplo e justo a medicamentos, diagnósticos rápidos e o desenvolvimento de tratamentos para doenças negligenciadas aparecem como uma prioridade importante não apenas em países como o Brasil, mas em todo o mundo.
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Autores: Rosineide Marques Ribas, Paola Amaral de Campos, Cristiane Silveira de Brito e Paulo Pinto Gontijo Filho, pesquisadores do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Federal de Uberlândia.
Este texto foi publicado originalmente na revista científica internacional
“Travel Medicine and Infectious Disease”;
tradução também publicada pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU)
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